26 de março de 2017

Toy Story – O Divisor de Águas no Cinema de Animação (1ª Parte)

Em 22 de novembro de 1995, estreava o primeiro longa-metragem totalmente animado por computadores. Mas o que fez com que Toy Story se tornasse este filme especial e inesquecível? Seria apenas a nova tecnologia utilizada na produção do longa-metragem? Seria a narrativa apresentada que ia além de tudo já realizado anteriormente?  Seria a unicidade de cada um dos personagens? Nesta nova série de postagens iremos retratar alguns dos diversos motivos que fazem de Toy Story outro grande marco na história do Cinema de Animação.
A introdução de Toy Story
Na verdade, são vários os motivos que fazem de Toy Story um divisor de águas no cinema de animação. Para começar, realmente o filme se destaca por ser o primeiro longa-metragem totalmente realizado com a computação. John Lasseter sabia que a animação computadorizada não era uma mídia nova, mas era uma nova ferramenta dentro da mídia animação. Por isso, era necessário explorar as possibilidades desta ferramenta, mas sempre ciente que a história e os personagens eram os elementos essenciais e que impulsionavam tudo. Mesmo o filme sendo o primeiro longa animado por computador a técnica utilizada era apenas um detalhe secundário para a história que almejavam contar, o maior avanço deveria ser na história.
John Lasseter
John Lasseter e a equipe da Pixar Animation quando iniciaram a produção de Toy Story não queriam um filme sobre conto de fadas, por isso estabeleceram uma série de ideias e fatos proibidos para o desenvolvimento do roteiro. Dentre as exigências e proibições da equipe estavam as músicas e canções, já que não queriam um filme animado musical; buscavam um personagem principal que não fosse maçante e bastante engraçado, os personagens secundários também deveriam seguir esta premissa; não buscavam exatamente um vilão ou a dualidade mocinhos/bandidos e bem/mal.
Na verdade, a equipe buscava principalmente evitar qualquer sinônimo de filmes animados: musical, conto de fadas e infantilidade. John Lasseter tinha uma motivação própria para o desenvolvimento do filme, uma narrativa que pudesse entreter tanto o público infantil quanto os adultos. Por isso, a principal inspiração foi “um filme sobre amigos”, foi a partir desta ideia que foi desenvolvido a premissa do brinquedo velho que é substituído por um brinquedo novo. Situações jamais realizadas antes nos filmes animados.
Tin Toy (1988)
Uma das principais inspirações para o desenvolvimento da história do filme foi o curta-metragem Tin Toy. No curta-metragem da Pixar de 1988, a empresa conseguiu desenvolver com o público a justaposição, mostrando algo já conhecido por eles e logo depois demonstrando um outro ponto de vista do mesmo sujeito, neste caso o bebê. Primeiro vemos o bebê e seu brinquedo, logo depois vemos a perspectiva do brinquedo e como o bebê poderia ser visto como um suposto monstro destruidor para o brinquedo. O personagem Tin Toy foi a inspiração para o desenvolvimento do conceito de os brinquedos terem vida e a amizade entre dois deles.
Os primeiros esboços de Woody
Nos primeiros esboços da história o personagem principal era chamado de Tinny e estava de férias com sua criança e acaba sendo esquecido por acidente. Tinny é encontrado por um catador de lixo e acaba sendo jogado na caçamba do caminhão de lixo aonde encontra o outro boneco, um ventríloquo antigo. Os brinquedos decidem ficar juntos e no final da história iriam terminar em uma escola infantil, considerada o paraíso dos brinquedos, local aonde nunca são perdidos ou esquecidos pelos donos. Percebemos que este primeiro esboço do filme acaba sendo aproveitado posteriormente no segundo filme para explicar o abandono e o trauma da vaqueira Jessy, e o ambiente perfeito da creche Sunnyside que depois descobrimos que ela é comandada pelo tirano Lotso, em Toy Story 3.
O quarto de Andy
Logo depois, a trama passou a ser desenvolvida em um quarto de uma criança, semelhante aos contornos que conhecemos: o garoto ganha um brinquedo novo como presente de aniversário e o brinquedo é levado para o quarto interagindo com os demais brinquedos antigos.  Contudo, para este novo esboço não fazia sentido que Tin Toy, um brinquedo antiquado virasse o favorito do garoto. Por isto era necessário a busca de um novo brinquedo que representasse o novo, o antigo e os personagens secundários.
Durante o processo de construção da história a equipe realizou uma visita à uma loja de brinquedos e encheram o carrinho com diversos brinquedos. Inclusive foi durante a esta visita que encontraram os soldadinhos de plástico dentro de balde. Neste processo de escolha os responsáveis só escolheram brinquedos existentes que já haviam passado por uma ou duas gerações e que permaneceram. Durante o passeio na loja a equipe já imaginava os brinquedos vivos, como seres humanos dotados da capacidade de raciocínio. Com base nesta afirmação percebemos que o antropomorfismo (animais e objetos representados com características humanas) foi idealizado antes mesmo da própria construção dos personagens.
Syd e And
Se a loja de brinquedo foi uma inspiração essencial para os personagens antropomórficos, os personagens humanos, especialmente Andy e Sid, tiveram inspiração embasada nos membros da própria equipe da Pixar. Enquanto alguns destruíam seus brinquedos, outros guardavam com bastante zelo durante anos. Semelhante ao personagem Sid, alguns dos animados da Pixar, quando crianças, faziam experiências com seus brinquedos, só para observar como o objeto ficava após ser derretido com a ação do fogo. John Lasseter, era um dos que zelava bastante por seus brinquedos, a ideia de um brinquedo velho como personagem Woody foi baseada em um dos brinquedos que Lasseter guardava desde a sua infância.
Buzz Lightyear e Woody
Woody e Buzz, os personagens principais de Toy Story, passaram por um extenso processo de construção e modificações, tudo isto para que ambos coincidissem tanto com a narrativa quanto com o visual e design de cada um deles. O personagem Buzz precisava ser um brinquedo original, por isto a Pixar criou um brinquedo próprio. Para a construção do personagem, os criadores examinaram os seus brinquedos favoritos e foram incorporando tudo que gostavam em um único brinquedo. Buzz precisava ser o brinquedo que todo menino gostaria de ter.
Os primeiros esboços de Buzz Lightyear
Antes de ter o nome que conhecemos hoje, o personagem teve diversos nomes incomuns como Lunar Lerry, que depois virou Tempus de Morph e por fim, virou o Buzz Lightyear. O nome Buzz Lightyear foi inspirado no nome do astronauta Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na lua. Algumas das características da personalidade do personagem Buzz Lightyear foram dadas pelo dublador Tim Allem, inclusive o lado mais sensível do personagem. Antes da dublagem, Buzz Lightyer foi concebido semelhante a um super-herói, foi o dublador Tim Allem que deu um tom mais realista ao personagem ficando mais parecido com um policial, como um patrulheiro espacial.
John Lasseter e o seu boneco do Gasparzinho
O personagem Woody foi baseado em um Gasparzinho com corpo de pelúcia, rosto de plástico e com uma corda de puxar em suas costas, que diz com uma voz esganiçada: “Posso ficar com você. Sou um fantasma camarada”. Os primeiros esboços de Woody eram um boneco de ventríloquo com cartola e smoking. Ele deveria ser o brinquedo velho, mas esta construção visual não condizia com a intenção. Por isto, sugeriram um boneco caubói, que fazia jus a rivalidade dos personagens Buzz representando a corrida espacial e Woody referente ao anacrônico velho Oeste. Woody durante o desenvolvimento do roteiro foi idealizado como boneco ventríloquo caubói, um personagem cômico e sarcástico, mas acabou sendo apenas o boneco caubói de corda repleto de comentários irônicos que conhecemos.
Durante os testes iniciais com Buzz e Woody, a equipe constantemente se questionava se o modelo, a movimentação e o comportamento dos personagens estavam condizente com a personalidade dos personagens. Foram realizados diversos testes, porque a Pixar tinha o receio que a plateia não ficaria sentada durante os 70 minutos de uma animação digital. Este medo da Pixar foi semelhante ao medo do próprio Disney durante a realização de Branca de Neve e os sete anões (1937) que se questionava se o público conseguiria assistir um longa-metragem totalmente animado.
Rex e sua aparência de plástico barato que reflete na sua personalidade
Não foram apenas Buzz e Woody que tiveram este cuidado em suas construções visual e psicológica. Mesmo os personagens secundários terem sido baseados em brinquedos reais conforme a visita à loja de brinquedo, eles foram estudados pensando na qualidade do produto e como isto seria combinado a sua personalidade. No caso do personagem Rex, eles encontraram vários dinossauros feitos de plástico barato, com braços curto e pintura malfeita. Como um brinquedo com estas qualidades deveria ser o carnívoro poderoso? Por isto, o personagem Rex foi criado indo contra os estereótipos dos filmes de dinossauro, assumindo uma personalidade insegura e neurótica.
Olha eu sou Picasso!
No caso do personagem Senhor Cabeça de Batata, sua personalidade rabugenta vem exatamente da revolta de pensar que você o tempo todo está perdendo seus traços faciais. Os soldadinhos verdes, brinquedos bastante conhecidos pelos animadores, tentaram manter as características básicas, principalmente os pés presos às bases. Para esta característica os animadores prenderam tênis velhos à uma prancha e se filmaram enquanto tentavam andar com a armação. Mas foi graças a esta experiência e análise que eles conseguiram animar os soldadinhos verdes de modo convincente.

Na próxima postagem desta série iremos abordar um pouco das dificuldades encontradas na realização de Toy Story, inclusive com a possibilidade de cancelamento do longa-metragem.