21 de maio de 2018

Thundercats e o esvaziamento do debate pelo conflito de gerações


Nunca me esqueço do quanto ouvi nas décadas de 80 e 90, quando meus pais passavam pela TV enquanto eu assistia calmo e tranquilamente a um desenho animado, uma severa crítica a péssima qualidade daqueles desenhos animados que eram produzidos. Desenhos parados! sem movimento! Não era como na época deles que os desenhos respiravam.

Talvez ali, sem querer, meus pais começavam a plantar na minha cabeça essa semente investigativa que tenho sobre o universo da animação. E praticamente uns 20 anos depois eu entendia que eles se referiam aos desenhos clássicos das décadas de 30 e 40, quando o reinava o famoso dodecálogo de Thomas e Johnson nos estúdios Disney e seus modelos copiados para os demais estúdios de animação norte americanos. Ou seja, a animação como a ilusão da vida, o primor dos movimentos produzidos quadro a quadro naquilo que iremos chamar de Full Animation.

O problema é que, a partir dos anos 1950, não valia mais a pena para as grandes produtoras investirem em animação para o cinema (Curtas Disney, Tom e Jerry, Looney Tunes foram originalmente criados para a telona) e a TV pedia um método de produção mais ágil e mais barato. Restava então apelar ao método UPA de animação que, apesar de ser uma proposta artística, era de fato mais economicamente viável. Começam a pipocar as animações limitadas com personagens mais parados, criados com formas mais geometrizadas, tudo para agilizar a produção. Foram 10 anos de trevas até resurgir a dupla Hanna-Barbera que sabiamente saberia pegar o que aprenderam na escola antiga e adaptar aos novos tempos. Mesmo assim aquela geração que curtiu Tom e Jerry no cinema fez cara feia a novidade.

Curiosamente hoje muitos comentam do Tom e Jerry das décadas de 40, 50 que foram animados por Hanna, Barbera, Tex Avery, Fred Quimby e Chucky Jones e sempre comparando com sua produção para a TV que passaram ainda pela MGM e pelos estúdios Hanna Barbera se referindo aos mais atuais como o Tom e Jerry "Toscão" e aos antigos como Tom e Jerry "de verdade" e isso independe das gerações.

Agora a internet entra numa nova briga colocando, na minha opinião de forma equívocada, aqueles que criticam o novo desenho dos Thundercats a uma questão meramente geracional. E defendendo com unhas e dentes que esta não deve ser uma preocupação de quem não é parte do público alvo da série. Porque é fácil provar a defesa de uma tese classificando e rotulando as demais de forma pejorativa. E assim os robozinhos algorítmicos do Face vão alimentando cada vez mais essas bolhas sociais.

Em seus Escritos Corsários, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini no seu tratado pedagógico intitulado "Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas" aponta para a questão geracional deixando claro que muitas vezes elas tem uma certa dificuldade de diálogo.

Agora não posso te ensinar as 'coisas' que me educaram, e você não pode ensinar as
'coisas' que estão te educando. Não podemos ensiná-las um ao outro pela simples razão
de que sua natureza não se limitou a mudar algumas das suas qualidades, mas mudou
radicalmente sua totalidade” (Pasolini, 1990, p.132)

E assim, tendo introduzido esse assunto, deixando claro que é fácil rotular as coisas ao "no meu tempo era melhor" coloco aquilo que parece ser uma preocupação legítima de uma geração que viu os Thundercats nas décadas de 80 e 90: a tendência a descaracterização dos personagens. Não é apenas uma questão estética. Trata-se de uma alteração em nome de uma modernização. Em alguns funciona perfeitamente. A passagem dos personagens do Universo Marvel e DC ao longo das décadas (tirando novos 52 por favor :D ) e agora o caso Marvel para o Cinema é perfeita nesse aspecto. Muito dos personagens foi mudado, no entando muito de sua essência principal permaneceu.

No entanto, na DC temos um caso que chama atenção que são os Jovens Titãs em Ação. Ali não se tratou apenas de fazer os personagens mais fofos. Tornaram os meninos totalmente Non Sense. E não é o nonsense que o Keith Giffen e o Kevin Maguire fizeram com a Liga nos quadrinhos nos anos 1980. É um esvaziamento total de sentido dos personagens. Virou uma mistura de Sitcom de super heróis onde o que menos importa é o cumprimento das missões e a jornada de cada um. Pastelão puro e simples. Nem mesmo o Freakazoid de Spilberg era assim. Thundercats Roar parece seguir mais essa linha do que Steven Universe, Hora da Aventura, Apenas um Show ou Irmão do Jorel.

Ah, mas isso não são os Thundercats da sua geração! É hora de entender que estes são os da nova! Precisamos Crescer. 

Apenas pare amigo. Minha geração cresceu vendo desenhos que tinham como objetivo o mero consumo de bonecos: He-Man, She-Ra, Transformers, Comandos em Ação. Esse comportamento teve suas consequências. Só que nessa época não se tinha preocupação alguma dessa influência sobre o público infantil. Hoje essa discussão tem amadurecido. Então não é hora de deixar soltar a corda porque a geração mais velha hoje quer participar e discutir o que será produzido para as gerações futuras. E Sim! teremos dificuldades em achar um ponto em comum. Pasolini já previu isso como eu disse acima. Mas as redes são um espaço onde devemos apreciar e colocar o debate das ideias e aprender a não rotular o pensamento oposto.

É interessante começar a reflexão sobre personagens terem seu conteúdo esvaziado. Não é só pensar nas nuances de roteiro ou design das personagens. Teen Titans, Mickey e alguns outros passaram por essa mudança que parece começar a ser uma tendência. Por isso vale ligar um sinal amarelo (não para censurar mas para discutir e debater). Aprendamos a crescer juntos nesse debate ao invés de reduzir tudo a "o meu é mais legal que o seu" e "você está fora de moda".

O que de fato significa essa tendência? Qual é verdadeiramente a releitura desses personagens? Porque isso gera mais audiência? Do que esse esvaziamento de sentido de personagens consagrados é reflexo exatamente? E que outros reflexos serão gerados desse tipo (se é que o serão)? Essas são apenas algumas perguntas que devem ser levadas em consideração. Mas é claro, para isso, antes de pensar a série, precisamos ver. Até aqui tudo que se falou de Thundercats Roar é mera especulação. Pode ser que toda essa discussão seja em vão e seja apenas o caso estético.

Mas podemos aproveitar o debate gerado e falar dentro do que já temos como Teen Titans e os novos curtas do Mickey! Apenas não paremos no rótulo e sigamos em frente!