22 de novembro de 2015

Cinema de Animação é “Coisa de criança”?

Na última semana conhecemos um pouco mais da popularização da televisão e como esse processo ajudou no surgimento e criação dos desenhos animados. Nesse momento, as produções animadas de baixo orçamento exibidas nos sábados de manhã serviam como uma espécie de babá eletrônica para os pais da década de 1950. A exibição desses desenhos animados era uma distração momentânea para as crianças e “um momento de paz” para os pais. Será que a partir dessa situação a animação ficou generalizada como um mero produto para o entretenimento infantil? E foi a partir disso que iniciou o preconceito que denigre o Cinema de Animação, colocando-o como “coisa de criança”?
Depois de grande você não pode assistir mais filmes animados?
Vocês podem estar achando que exagero ao descrever um preconceito que associa a arte da animação a um produto que tem a função única de divertir crianças e, alguns casos, de proporcionar uma distração ligeira aos adultos que acompanham seus filhos nas salas de cinema. Observe o alvoroço que atingiu as redes sociais na última semana, quando anunciaram o novo filme de Nemo, Marlin e Dory. A internet foi invadida por imagens de adultos em meio as crianças com frases do tipo “Disney, deixa eu crescer!”.  Outro exemplo, em lojas de vendas de DVD’s e Blu-ray’s, sejam elas físicas ou virtuais, os discos dos filmes animados, independente do estúdio responsável, são classificados como sessão infantil. E não para por aí, sabe aquela brilhante empresa que oferece serviço de TV via internet por streaming (Netflix), também adotava na sua categorização de gêneros os filmes animados classificados como “Infantil e família”, e agora usa o termo “filmes para família e crianças”. Percebeu que não estou exagerando?
Somente para crianças?
O primeiro erro surge quando classificam o cinema de animação como um gênero do cinema. Pois, quando um filme é rotulado em um gênero do cinema cria-se uma expectação no público, evidenciando a ele o que se deve esperar daquela película. Assim, ao evidenciar o cinema de animação como gênero cinematográfico, pode acontecer que o público associe o gênero como exclusivo para as crianças. Só deixando claro, a animação é uma técnica cinematográfica na qual pode-se realizar obras de distintos gêneros (comédia, terror, romance...).
Toy Story de Terror, cinema de animação que homenageia o gênero terror e suspense
Outro fator que disseminou a falsa noção de que o cinema de animação é exclusivamente um entretenimento infantil foi a exibição dos curtas-metragens animados, anteriormente exibidos no cinema, nos anos inicias da televisão como forma de ajudar a preencher a grade de programação das emissoras. Nesse momento, os curtas-metragens animados eram apresentados como uma série (vários filmes animados seguidos) em um programa da emissora de TV, conduzido por um apresentador. Observa-se um fenômeno curioso na migração: enquanto no cinema eram assistidas por um público diverso, predominantemente adulto, na televisão estas mesmas séries passaram a ser assistidas quase que exclusivamente pelo público infantil. Esse acontecimento deve-se também à censura que muitas animações sofreram a partir da década de 1940. O órgão responsável pela regulamentação e classificação de conteúdo, a Federal Communications Commission (FCC), baniu filmes animados que apresentavam conteúdo inapropriado (violência, armas, drogas lícitas, humor negro, sexualidade e erotismo) para as crianças.
Betty Boop foi uma das personagens censuradas
Alguns estudiosos abordam que Walt Disney com suas produções animadas, arrebatou a animação da forma artesanal e a transformou em atividade industrial que reside até hoje. Walt Disney com suas animações coloridas de traços arredondados, apresentando narrativas de fácil compreensão que tinham o intuito de agradar todos os públicos acabou colocando a animação como “coisa de criança”. Vale ressaltar que eram principalmente os adultos que desfrutavam dos filmes animados durante a primeira metade do século XX, antes do surgimento da televisão e época dos primeiros filmes de Disney. Então será que realmente foram as produções de Disney que contribuíram para a associação do cinema de animação como entretenimento infantil? Essas produções Disney não trabalham com elementos que podem ser compreendidos e associados ao público adulto?
Rei do entremetimento infantil?
Contudo, particularmente, acredito que o principal motivo realmente seja a popularização de produções de baixo orçamento que abusavam da repetição de cenários, com o uso de poucos personagens, que muitas vezes só ficavam restritos a movimentos simples, como perseguições e o movimento da boca elucidando diálogos. Esse movimento e, mais tarde a cor, prendem a atenção das crianças, mesmo as mais novas, deixando o roteiro em segundo plano. Já nos filmes animados, além do processo caro e delongado entre a produção e o lançamento nos cinemas (uma média de 04 anos por produção que ainda permanece até hoje), existe todo um cuidado estético, técnico e artístico, tanto nos personagens quanto nos cenários e efeitos que vão compor o filme, além de se preocuparem com a narrativa e a mensagem passada ao público. O que acontece é que ambos os produtos são vistos como idênticos para a grande maioria das pessoas, e por isso o cinema de animação também é generalizado como produto fílmico infantil.
Esse vídeo te lembra algum desenho animado?
O cinema de animação consegue fascinar a todos os seus espectadores, não importando a idade, além de ser uma rentável técnica cinematográfica para as indústrias já estabelecidas. Pode-se observar que há um crescimento do número de adultos que passaram a prestigiar a narrativa animada, quebrando um pouco desse preconceito, nem sempre como acompanhantes de crianças. Além disso, observa-se que, durante as projeções desses filmes, existem piadas e gags visuais que apenas as crianças parecem se divertir com a cena; já outras, principalmente as piadas discursivas, presentes nos diálogos, parecem ser percebidas somente pelos adultos.
 A representação de toxicodependentes em um "filme para crianças"? 
Podemos ir além, afirmando que a animação é para adultos, mas as crianças acabam usufruindo destas criações. Até mesmo os filmes de Walt Disney e Hanna Barbera não são filmes especificamente para crianças, pois essas produções animadas apresentam personagens com dificuldades em relação à vida cotidiana, temas e problemas de adultos. Muitas vezes as discussões que podem estar presentes num roteiro de um filme animado passam despercebidas pelas crianças.
Série animada para crianças?
Assim, pode-se findar que ainda exista este preconceito, podendo ser relacionado a uma questão cultural, que associa o cinema de animação como “coisa de criança”. É importante avaliar a história do cinema de animação e perceber que no seu primeiro momento, a grande maioria do público era de adultos que desfrutavam das obras animadas no cinema. E de um modo geral, a técnica de animação consegue agregar distintos públicos para a exibição de seus filmes animados.
Túmulo dos Vaga-lumes (1988) narrativa infantil?
Portanto, passou da hora de nós mesmos acabarmos com generalização de que os filmes são exclusivos para crianças. E se aquele filme animado tão esperado vai lançar no cinema ou até mesmo aquele desenho animado que fez parte da sua infância e adolescência vai ganhar uma nova temporada, porque não assumirmos que gostamos dessas produções e vamos conferir sem o peso na consciência de que ela seria voltada apenas para um público. O importante é ter o discernimento e saber avaliar a qualidade dos filmes e desenhos animados, e as discussões que podem ser abordadas a partir desses produtos.

E você leitor acredita que o cinema de animação realmente seja uma “coisa de criança”?