Em 22 de
novembro de 1995, estreava o primeiro longa-metragem totalmente animado por
computadores. Mas o que fez com que Toy Story se tornasse este filme especial e
inesquecível? Seria apenas a nova tecnologia utilizada na produção do longa-metragem?
Seria a narrativa apresentada que ia além de tudo já realizado anteriormente? Seria a unicidade de cada um dos personagens? Nesta
nova série de postagens iremos retratar alguns dos diversos motivos que fazem
de Toy Story outro grande marco na história do Cinema de Animação.
A introdução de Toy Story
Na
verdade, são vários os motivos que fazem de Toy Story um divisor de águas no
cinema de animação. Para começar, realmente o filme se destaca por ser o
primeiro longa-metragem totalmente realizado com a computação. John Lasseter
sabia que a animação computadorizada não era uma mídia nova, mas era uma nova
ferramenta dentro da mídia animação. Por isso, era necessário explorar as
possibilidades desta ferramenta, mas sempre ciente que a história e os
personagens eram os elementos essenciais e que impulsionavam tudo. Mesmo o
filme sendo o primeiro longa animado por computador a técnica utilizada era
apenas um detalhe secundário para a história que almejavam contar, o maior
avanço deveria ser na história.
John Lasseter
John
Lasseter e a equipe da Pixar Animation quando iniciaram a produção de Toy Story
não queriam um filme sobre conto de fadas, por isso estabeleceram uma série de
ideias e fatos proibidos para o desenvolvimento do roteiro. Dentre as
exigências e proibições da equipe estavam as músicas e canções, já que não
queriam um filme animado musical; buscavam um personagem principal que não
fosse maçante e bastante engraçado, os personagens secundários também deveriam
seguir esta premissa; não buscavam
exatamente um vilão ou a dualidade mocinhos/bandidos e bem/mal.
Na
verdade, a equipe buscava principalmente evitar qualquer sinônimo de filmes
animados: musical, conto de fadas e infantilidade. John Lasseter tinha uma
motivação própria para o desenvolvimento do filme, uma narrativa que pudesse
entreter tanto o público infantil quanto os adultos. Por isso, a principal
inspiração foi “um filme sobre amigos”, foi a partir desta ideia que foi
desenvolvido a premissa do brinquedo velho que é substituído por um brinquedo
novo. Situações jamais realizadas antes nos filmes animados.
Tin Toy (1988)
Uma
das principais inspirações para o desenvolvimento da história do filme foi o
curta-metragem Tin Toy. No curta-metragem da Pixar de 1988, a empresa conseguiu
desenvolver com o público a justaposição, mostrando algo já conhecido por eles
e logo depois demonstrando um outro ponto de vista do mesmo sujeito, neste caso
o bebê. Primeiro vemos o bebê e seu brinquedo, logo depois vemos a perspectiva
do brinquedo e como o bebê poderia ser visto como um suposto monstro destruidor
para o brinquedo. O personagem Tin Toy foi a inspiração para o desenvolvimento
do conceito de os brinquedos terem vida e a amizade entre dois deles.
Os primeiros esboços de Woody
Nos
primeiros esboços da história o personagem principal era chamado de Tinny e
estava de férias com sua criança e acaba sendo esquecido por acidente. Tinny é
encontrado por um catador de lixo e acaba sendo jogado na caçamba do caminhão
de lixo aonde encontra o outro boneco, um ventríloquo antigo. Os brinquedos
decidem ficar juntos e no final da história iriam terminar em uma escola
infantil, considerada o paraíso dos brinquedos, local aonde nunca são perdidos
ou esquecidos pelos donos. Percebemos que este primeiro esboço do filme acaba
sendo aproveitado posteriormente no segundo filme para explicar o abandono e o trauma
da vaqueira Jessy, e o ambiente perfeito da creche Sunnyside que depois
descobrimos que ela é comandada pelo tirano Lotso, em Toy Story 3.
O quarto de Andy
Logo
depois, a trama passou a ser desenvolvida em um quarto de uma criança, semelhante
aos contornos que conhecemos: o garoto ganha um brinquedo novo como presente de
aniversário e o brinquedo é levado para o quarto interagindo com os demais brinquedos
antigos. Contudo, para este novo esboço
não fazia sentido que Tin Toy, um brinquedo antiquado virasse o favorito do
garoto. Por isto era necessário a busca de um novo brinquedo que representasse
o novo, o antigo e os personagens secundários.
Durante
o processo de construção da história a equipe realizou uma visita à uma loja de
brinquedos e encheram o carrinho com diversos brinquedos. Inclusive foi durante
a esta visita que encontraram os soldadinhos de plástico dentro de balde. Neste
processo de escolha os responsáveis só escolheram brinquedos existentes que já
haviam passado por uma ou duas gerações e que permaneceram. Durante o passeio
na loja a equipe já imaginava os brinquedos vivos, como seres humanos dotados
da capacidade de raciocínio. Com base nesta afirmação percebemos que o
antropomorfismo (animais e objetos representados com características humanas) foi
idealizado antes mesmo da própria construção dos personagens.
Syd e And
Se
a loja de brinquedo foi uma inspiração essencial para os personagens
antropomórficos, os personagens humanos, especialmente Andy e Sid, tiveram
inspiração embasada nos membros da própria equipe da Pixar. Enquanto alguns
destruíam seus brinquedos, outros guardavam com bastante zelo durante anos.
Semelhante ao personagem Sid, alguns dos animados da Pixar, quando crianças, faziam
experiências com seus brinquedos, só para observar como o objeto ficava após
ser derretido com a ação do fogo. John Lasseter, era um dos que zelava bastante
por seus brinquedos, a ideia de um brinquedo velho como personagem Woody foi
baseada em um dos brinquedos que Lasseter guardava desde a sua infância.
Buzz Lightyear e Woody
Woody
e Buzz, os personagens principais de Toy Story, passaram por um extenso
processo de construção e modificações, tudo isto para que ambos coincidissem
tanto com a narrativa quanto com o visual e design de cada um deles. O
personagem Buzz precisava ser um brinquedo original, por isto a Pixar criou um
brinquedo próprio. Para a construção do personagem, os criadores examinaram os
seus brinquedos favoritos e foram incorporando tudo que gostavam em um único
brinquedo. Buzz precisava ser o brinquedo que todo menino gostaria de ter.
Os primeiros esboços de Buzz Lightyear
Antes
de ter o nome que conhecemos hoje, o personagem teve diversos nomes incomuns
como Lunar Lerry, que depois virou Tempus de Morph e por fim, virou o Buzz
Lightyear. O nome Buzz Lightyear foi inspirado no nome do astronauta Buzz
Aldrin, o segundo homem a pisar na lua. Algumas das características da
personalidade do personagem Buzz Lightyear foram dadas pelo dublador Tim Allem,
inclusive o lado mais sensível do personagem. Antes da dublagem, Buzz Lightyer
foi concebido semelhante a um super-herói, foi o dublador Tim Allem que deu um
tom mais realista ao personagem ficando mais parecido com um policial, como um
patrulheiro espacial.
John Lasseter e o seu boneco do Gasparzinho
O
personagem Woody foi baseado em um Gasparzinho com corpo de pelúcia, rosto de
plástico e com uma corda de puxar em suas costas, que diz com uma voz
esganiçada: “Posso ficar com você. Sou um fantasma camarada”. Os primeiros
esboços de Woody eram um boneco de ventríloquo com cartola e smoking. Ele
deveria ser o brinquedo velho, mas esta construção visual não condizia com a
intenção. Por isto, sugeriram um boneco caubói, que fazia jus a rivalidade dos
personagens Buzz representando a corrida espacial e Woody referente ao
anacrônico velho Oeste. Woody durante o desenvolvimento do roteiro foi
idealizado como boneco ventríloquo caubói, um personagem cômico e sarcástico,
mas acabou sendo apenas o boneco caubói de corda repleto de comentários
irônicos que conhecemos.
Durante
os testes iniciais com Buzz e Woody, a equipe constantemente se questionava se o
modelo, a movimentação e o comportamento dos personagens estavam condizente com
a personalidade dos personagens. Foram realizados diversos testes, porque a
Pixar tinha o receio que a plateia não ficaria sentada durante os 70 minutos de
uma animação digital. Este medo da Pixar foi semelhante ao medo do próprio
Disney durante a realização de Branca de Neve e os sete anões (1937) que se
questionava se o público conseguiria assistir um longa-metragem totalmente
animado.
Rex e sua aparência de plástico barato que reflete na sua personalidade
Não
foram apenas Buzz e Woody que tiveram este cuidado em suas construções visual e
psicológica. Mesmo os personagens secundários terem sido baseados em brinquedos
reais conforme a visita à loja de brinquedo, eles foram estudados pensando na
qualidade do produto e como isto seria combinado a sua personalidade. No caso
do personagem Rex, eles encontraram vários dinossauros feitos de plástico
barato, com braços curto e pintura malfeita. Como um brinquedo com estas
qualidades deveria ser o carnívoro poderoso? Por isto, o personagem Rex foi
criado indo contra os estereótipos dos filmes de dinossauro, assumindo uma
personalidade insegura e neurótica.
Olha eu sou Picasso!
No
caso do personagem Senhor Cabeça de Batata, sua personalidade rabugenta vem
exatamente da revolta de pensar que você o tempo todo está perdendo seus traços
faciais. Os soldadinhos verdes, brinquedos bastante conhecidos pelos
animadores, tentaram manter as características básicas, principalmente os pés
presos às bases. Para esta característica os animadores prenderam tênis velhos
à uma prancha e se filmaram enquanto tentavam andar com a armação. Mas foi
graças a esta experiência e análise que eles conseguiram animar os soldadinhos
verdes de modo convincente.
Na
próxima postagem desta série iremos abordar um pouco das dificuldades
encontradas na realização de Toy Story, inclusive com a possibilidade de
cancelamento do longa-metragem.