Na última semana conhecemos um pouco mais da popularização da televisão e como esse processo ajudou no surgimento e criação dos desenhos animados. Nesse momento, as
produções animadas de baixo orçamento exibidas nos sábados de manhã serviam
como uma espécie de babá eletrônica para os pais da década de 1950. A exibição
desses desenhos animados era uma distração momentânea para as crianças e “um
momento de paz” para os pais. Será que a partir dessa situação a animação ficou
generalizada como um mero produto para o entretenimento infantil? E foi a partir
disso que iniciou o preconceito que denigre o Cinema de Animação, colocando-o
como “coisa de criança”?
Depois de grande você não pode assistir mais filmes animados?
Vocês podem estar
achando que exagero ao descrever um preconceito que associa a arte da animação
a um produto que tem a função única de divertir crianças e, alguns casos, de
proporcionar uma distração ligeira aos adultos que acompanham seus filhos nas salas
de cinema. Observe o alvoroço que atingiu as redes sociais na última semana,
quando anunciaram o novo filme de Nemo, Marlin e Dory. A internet foi invadida
por imagens de adultos em meio as crianças com frases do tipo “Disney, deixa eu
crescer!”. Outro exemplo, em lojas de
vendas de DVD’s e Blu-ray’s, sejam elas físicas ou virtuais, os discos dos
filmes animados, independente do estúdio responsável, são classificados como sessão
infantil. E não para por aí, sabe aquela brilhante empresa que oferece serviço
de TV via internet por streaming (Netflix), também adotava na sua categorização
de gêneros os filmes animados classificados como “Infantil e família”, e agora
usa o termo “filmes para família e crianças”. Percebeu que não estou
exagerando?
Somente para crianças?
O primeiro erro surge
quando classificam o cinema de animação como um gênero do cinema. Pois, quando
um filme é rotulado em um gênero do cinema cria-se uma expectação no público,
evidenciando a ele o que se deve esperar daquela película. Assim, ao evidenciar
o cinema de animação como gênero cinematográfico, pode acontecer que o público
associe o gênero como exclusivo para as crianças. Só deixando claro, a animação
é uma técnica cinematográfica na qual pode-se realizar obras de distintos
gêneros (comédia, terror, romance...).
Toy Story de Terror, cinema de animação que homenageia o gênero terror e suspense
Outro fator que
disseminou a falsa noção de que o cinema de animação é exclusivamente um
entretenimento infantil foi a exibição dos curtas-metragens animados,
anteriormente exibidos no cinema, nos anos inicias da televisão como forma de
ajudar a preencher a grade de programação das emissoras. Nesse momento, os
curtas-metragens animados eram apresentados como uma série (vários filmes
animados seguidos) em um programa da emissora de TV, conduzido por um
apresentador. Observa-se um fenômeno curioso na migração: enquanto no cinema
eram assistidas por um público diverso, predominantemente adulto, na televisão
estas mesmas séries passaram a ser assistidas quase que exclusivamente pelo
público infantil. Esse acontecimento deve-se também à censura que muitas
animações sofreram a partir da década de 1940. O órgão responsável pela
regulamentação e classificação de conteúdo, a Federal Communications Commission
(FCC), baniu filmes animados que apresentavam conteúdo inapropriado (violência,
armas, drogas lícitas, humor negro, sexualidade e erotismo) para as crianças.
Betty Boop foi uma das personagens censuradas
Alguns estudiosos abordam
que Walt Disney com suas produções animadas, arrebatou a animação da forma
artesanal e a transformou em atividade industrial que reside até hoje. Walt
Disney com suas animações coloridas de traços arredondados, apresentando
narrativas de fácil compreensão que tinham o intuito de agradar todos os públicos
acabou colocando a animação como “coisa de criança”. Vale ressaltar que eram
principalmente os adultos que desfrutavam dos filmes animados durante a
primeira metade do século XX, antes do surgimento da televisão e época dos
primeiros filmes de Disney. Então será que realmente foram as produções de
Disney que contribuíram para a associação do cinema de animação como
entretenimento infantil? Essas produções Disney não trabalham com elementos que
podem ser compreendidos e associados ao público adulto?
Rei do entremetimento infantil?
Contudo, particularmente,
acredito que o principal motivo realmente seja a popularização de produções de
baixo orçamento que abusavam da repetição de cenários, com o uso de poucos
personagens, que muitas vezes só ficavam restritos a movimentos simples, como
perseguições e o movimento da boca elucidando diálogos. Esse movimento e, mais
tarde a cor, prendem a atenção das crianças, mesmo as mais novas, deixando o
roteiro em segundo plano. Já nos filmes animados, além do processo caro e delongado
entre a produção e o lançamento nos cinemas (uma média de 04 anos por produção
que ainda permanece até hoje), existe todo um cuidado estético, técnico e
artístico, tanto nos personagens quanto nos cenários e efeitos que vão compor o
filme, além de se preocuparem com a narrativa e a mensagem passada ao público. O
que acontece é que ambos os produtos são vistos como idênticos para a grande
maioria das pessoas, e por isso o cinema de animação também é generalizado como
produto fílmico infantil.
Esse vídeo te lembra algum desenho animado?
O cinema de animação
consegue fascinar a todos os seus espectadores, não importando a idade, além de
ser uma rentável técnica cinematográfica para as indústrias já estabelecidas.
Pode-se observar que há um crescimento do número de adultos que passaram a
prestigiar a narrativa animada, quebrando um pouco desse preconceito, nem
sempre como acompanhantes de crianças. Além disso, observa-se que, durante as
projeções desses filmes, existem piadas e gags visuais que apenas as crianças
parecem se divertir com a cena; já outras, principalmente as piadas
discursivas, presentes nos diálogos, parecem ser percebidas somente pelos
adultos.
A representação de toxicodependentes em um "filme para crianças"?
Podemos ir além,
afirmando que a animação é para adultos, mas as crianças acabam usufruindo
destas criações. Até mesmo os filmes de Walt Disney e Hanna Barbera não são
filmes especificamente para crianças, pois essas produções animadas apresentam
personagens com dificuldades em relação à vida cotidiana, temas e problemas de
adultos. Muitas vezes as discussões que podem estar presentes num roteiro de um
filme animado passam despercebidas pelas crianças.
Assim, pode-se findar
que ainda exista este preconceito, podendo ser relacionado a uma questão
cultural, que associa o cinema de animação como “coisa de criança”. É importante
avaliar a história do cinema de animação e perceber que no seu primeiro
momento, a grande maioria do público era de adultos que desfrutavam das obras
animadas no cinema. E de um modo geral, a técnica de animação consegue agregar
distintos públicos para a exibição de seus filmes animados.
Túmulo dos Vaga-lumes (1988) narrativa infantil?
Portanto, passou da hora
de nós mesmos acabarmos com generalização de que os filmes são exclusivos para
crianças. E se aquele filme animado tão esperado vai lançar no cinema ou até
mesmo aquele desenho animado que fez parte da sua infância e adolescência vai
ganhar uma nova temporada, porque não assumirmos que gostamos dessas produções
e vamos conferir sem o peso na consciência de que ela seria voltada apenas para
um público. O importante é ter o discernimento e saber avaliar a qualidade dos
filmes e desenhos animados, e as discussões que podem ser abordadas a partir
desses produtos.
E você leitor acredita
que o cinema de animação realmente seja uma “coisa de criança”?