21 de junho de 2017

Diário Animado - Annecy 2017 - Dia II



Antes de começar a falar dos filmes, vou comentar e contar sobre algumas coisas até para entenderem mais sobre o Festival. Ele é muito grande, no sentido de muitas sessões e de vários tipos. Competitivas (5) e não competitivas (6), retrospectivas, sessão do país convidado (homenageado, este ano é a China), sessões ao ar livre, entre outras (6), sem falar nas sessões voltadas para o Mifa, o mercado de animação... sessões sobre projetos de animação, produções que vão para as TVs, master class, making off, etc...

É humana e cronologicamente impossível ver tudo em sete dias. Então eu optei por ver todas as sessões competitivas de longas e curtas-metragens. Os locais são um pouco distantes uns dos outros de 10 a 40 min, e é preciso chegar com pelo menos 30min de antecedência, para pegar um lugar razoável nas salas de exibição. Dez minutos antes de começar, a reserva que você fez on-line, através da credencial – comprada, de jornalista, negócios, participante, convidado, etc – , expira, e qualquer outra pessoa interessada pode entrar. Há uma fila só para isso.

Então não é muito fácil montar um horário satisfatório. Porém, eu ainda consegui encaixar mais as duas sessões de curtas-metregens “Perspectivas”, uma de curtas-metragens “Off-Limits”, e uma de longa-metragem fora de competição (que comentei ontem), e uma sessão de Annecy Classics. No total são 19 sessões, sempre com mais de uma hora, mesmo as de curtas.

Seguindo então meu diário, no segundo dia de exibição de animações em Annecy, assisti a dois longas-metragens: 

Big Fish & Begonia 


Diretores: Xuan (Tidus) LIANG, Chun (Breath) ZHANG
País: China
Ano de produção: 2016
Duração: 01 h 45 min
Técnica: Desenho sobre papel, 2D, 3D, pintura sobre vidro, outras

O filme conta uma história de magia, de que todo ser humano tem uma alma de peixe. Em um mundo “paralelo” onde seres fantásticos e outros aparentemente humanos têm poderes de X-Men. Nele há um rito de passagem para os jovens que se transformam em grandes peixes, que vão para o mundo dos humanos, viver nos mares, e depois retornam ao seu mundo. Só que a protagonista a jovem, Chun, se envolve em uma rede de pesca durante a sua aventura como peixe. Kun, um humano que a vê presa, vai salvá-la, mas perde a vida. Rompendo as regras que separam os dois mundos, Chun não se conforma com a morte de Kun, que deixa a irmãzinha desamparada. Ela então, ao voltar para o seu mundo, troca metade de sua vida para conseguir resgatar Kun. Assim, este revive em um corpo de peixe, que ela tem que cuidar até que cresça o suficiente para sua alma encarnar no seu corpo humano. Assim começa a história de amor, reparação e sacrifício.

Big Fish & Begonia é uma produção bem cuidada. Bem colorido, o filme trabalha com 2d e 3d de forma extremamente inteligente. Não se percebe qualquer ruído entre as duas técnicas  – um choque visual, de que algo não encaixou muito bem.

Como a grande maioria das produções orientais, para nós ocidentais, o filme parece ser um pouco longo sem necessidade. O ritmo é diferente. Os grandes planos, as inversões de câmera com imagens do céu, a partir do mar, que lembram outro filme, só que de live-action, A Vida de Pi (2012, Ang Lee).

Apesar de sua estética ser a de anime, como tradicionalmente são as animações japonesas, isso não é admitido pelos diretores que comentam que utilizaram várias referências culturais chinesas. Mas tal semelhança não desmerece o filme, o contrário, particularmente acho que favorece pois é uma estética bem aceita e com um público numeroso.


Lou Over the Wall 


Diretor: Masaaki YUASA
País: Japão
Ano de produção: 2017
Duração: 01 h 52 min
Técnica: 2D Computer

Kai é um rapaz solitário que vi com o pai e o avô, em uma pequena cidade que vive da pesca. Ele gosta de música, mas é arredio. O pai cobra seu empenho na escola, seus colegas, para que ele faça parte de uma banda, porém ele mesmo só curte fazer sons com seu laptop. Até que em um momento ele acaba cedendo aos colegas e topa encontrá-los para tocarem. Aí é que surge uma pequena sereia. Como uma criança, ela é muito alegre e que ama o som das músicas, pois suas nadadeiras se transformam em pernas e pés, e ela não para de dançar.

É um filme voltado para o público mais jovem. Colorido e movimentado, em termos de roteiro é um pouco confuso. Há momentos dramáticos e outros de puro videoclipe! E é engraçado exatamente por esses contrastes. Não apresenta aquele cuidado e detalhamento dos estúdios Ghibli, mas esse despojamento também se torna visualmente interessante. A realização de certos movimentos e metamorfoses é mais distorcida, assim como os momentos de lembrança dos personagens. Estes parecem desenhos de criança, áreas de manchas de cores vibrantes e sem contornos.  Diferente do filme anterior, Lou Over the Wall é menos ambicioso, enquanto história, mas também apresenta como elemento principal o peixe.

Aliás, percebe-se que é o ano da China, mas também é do peixe, em Annecy 2017!

Logo em seguida, assisti a sessão 1 de curtas competitivos com os seguintes filmes:


Black Barbie

Direção : Comfort ARTHUR
País : Gana
Ano de produção: 2016
Duração: 03 min 36 s
Técnica: 2D

Curta ganense, e que apesar do nome, é dirigido por uma mulher. Com um visual, que podemos chamar de naïf, Confort conta suas próprias experiências enquanto mulher negra, que precisa viver (no sentido de obrigação, não tem como fugir) com um modelo de beleza estereotipado, e no qual não se encaixa.


SAMT (Silence)



Direção : Chadi AOUN
País : Líbano
Ano de produção: 2016
Duração: 15 min 22 s
Técnica: 2D e outras técnicas

O curta conta a história de um homem “meio” gato (os olhos e o comportamento são de gato), que vive em uma cidade censurada, vigiada e em escombros. Reparem que o filme é libanês. Ele vive só, um pouco entediado, deprimido. Até que vê uma dançarina, dançando na rua, que é logo recolhida pelas forças de segurança do local. A dança mexe com ele. Um outro dia à noite, ele encontra um bailarino, dançando no alto de um prédio. Dançando, este o “seduz” para dançar também (“rola um clima” também). Bem não vou contar o resto. A animação é em estilo manga, e um protesto contra as ditaduras, mas também … uma crítica contra as invasões americanas no Oriente Médio – é preciso ver o filme com atenção.

Inhibitum


L'ATELIER COLLECTIF
País : Belgique
Ano de produção: 2016
Duração: 08 min 12 s
Técnica: Techniques diverses

Essa animação coletiva belga é muito boa. “Inhibitum” quer dizer “proibido”, e fala de diversos problemas atuais, que desde o final do século XIX poderiam ter sido evitados, mas não o foram por interesses econômicos. Cada história foi animada com uma técnica diferente, o que torna o curta, como um todo, mais rico e interessante. Essa vale a pena assistir mesmo!


Corp.


Pablo POLLEDRI
País : Argentina
Ano de produção: 2016
Duração: 09 min
Técnica: 2D

Uma animação “de los hermanos” que começa simples, linha preta sobre branco, e termina em 3D, e de uma contundência admirável. Quase um infográfico animado, ela conta como um pequeno negócio se torna uma holding! E conta mesmo, com requintes de realidade impressionantes.

Pela simplicidade do desenho, “lembra” os do Don Hertzfeldt. Uma ótima animação, com todos as características de um projeto bem estruturado com um roteiro crítico impecável.

Amor, nuestra prision


Direção : Carolina CORRAL
País : México
Ano de produção: 2016
Duração: 05 min 50 s
Técnica: Desenho sobre papel, recorte, 2D, outras

Curta depoimento, relata a relação de mulher que concordam em ter um casamento com prisioneiros condenados. A situação de abandono, violência e de menos valia fica marcada com uma animação de visual sujo, contrastante e com elementos da vida real. Depoimentos feitos com vozes femininas, ancoram as histórias com as imagens. O assunto não é “fofinho”. Quem acha que animação é coisa de criança, não sabe de nada…


Ethnophobia



Direção : Joan ZHONGA
País : Albânia e Grécia
Ano de produção: 2016
Duração: 14 min 18 s
Técnica: Stop motion com massinha

Conta uma história já batida, mas que infelizmente, nunca sai de “moda”. Através de personagens de formas iguais, bem concebidos, divididos em reinos distintos, competem pela posse de uma caça. Mas não aceitam bem os que tem cores diferentes das deles – azul, amarelo e vermelho. De forma cômica, mas bem representativa, tentam de maneiras diversa transformar os “outros coloridos” em azul, amarelo e vermelho… mas é um fracasso.
Bem animado, aproveitando as características da massinha, o filme diverte e passa a mensagem.

The Ultimate Guide to Inspiration



Direção : Daniela URIBE, Francisco MARQUEZ
País : Espanha, Venezuela
Ano de produção: 2016
Duração: 02 mn 41 s
Técnica: 2D

Com desenhos que lembram as ilustrações de uma cor das propagandas americanas da década de 1950, a animação aborda filosoficamente – com narração em voz de off – a inspiração. A estética dos desenhos vai mudando ao longo do filme – tornam-se mais simples, as vezes coloridas, outras só ficam no traço. É bem animado, mas não é uma produção que “prenda” a atenção.


Frontera



Direção : Fabián GUAMANÍ ALDAZ
País : Equador
Ano de produção: 2017
Duração: 07 min 19 s
Técnica: 2D

Animação de um outro vizinho nosso, Frontera conta a situação que acontece em região de fronteira entre países que enfrentam estados de revolução ou guerra.

Os personagens têm um desenho minimalista, mas passam a emoção. Animação é econômica, quero dizer, ele é pouco animado. Foram bem aproveitados o movimento de câmera, os cortes e a variação de planos.


Slovo (Farewell)



Leon VIDMAR
País : Eslovênia
Ano de produção: 2016
Duração: 05 min 51 s
Técnica: Marionnettes

Filme eslovaco com os personagens, os bonecos, impressionantemente bem feitos – a tela grande não esconde nada! Super bem animado, conta a história de um rapaz que relembra a sua infância quando pescava com o avô (olha o peixe de novo!). Exatamente por isso o roteiro foi construído intercalando essas imagens, do presente e do passado, com passagens utilizando animação e efeitos que funcionam muito bem.


Yaman



Direção : Amer ALBARZAWI
País : Síria
Ano de produção: 2016
Duração: 04 min 01 s
Técnica: Stop motion com massinha, Pixilation

Filme de impacto. Conta a história de um órfão sírio, cujos pais foram mortos na guerra. É o próprio menino que faz o personagem. Através do stop motion vai sendo mostrado como a vida do menino (Yaman) e como e porque se modificou.


It Is My Fault



Direção : Liu SHA
País : China
Ano de produção: 2016
Duração: 04 min 50 s
Técnica: 3D

O curta conta a história de uma jovem deprimida e triste. A estética e os movimentos desta animação lembram os games e as animações 3D dos anos 90, no início da informatização do setor. Com cores saturadas e um som techno, (sinceramente, pessoalmente irritante), o filme passa o desespero da personagem – mas não a sua tristeza.