22 de junho de 2017

Diário Animado - Annecy 2017 - Dia III

No terceiro dia de exibição de animações em Annecy, assisti a dois longas-metragens e uma sessão de curtas.

Animal Crackers

Direção : Tony Bancroft, Scott Christian Sava, Jaime Maestro
País : EUA, Espanha, China
Ano de produção: 2017
Duração : 01 h 34 mn 27 s
Técnica(s) utilizada(s): 3D

Este longa em 3D conta a história de uma família de circo. O irmão mais velho, Horatio é ambicioso (quer dinheiro e fama), enquanto o mais novo, Bufalo Bob, é mais emocionalmente ligado às coisas do circo. Um dia uma bela jovem, Talia, vem fazer parte da trupe, através da cigana Esmeralda. A jovem se apaixona por Bob, apesar das investidas de Horatio, e eles acabam se casando. Esmeralda dá um presente ao casal: uma caixa de biscoitos com formas de animais, e diz que eles são mágicos.
Há um salto de tempo em que aparece o sobrinho dos Huntingtons, Owen, no circo, conhecendo Zoe, ainda criança.

Eles crescem e também se casam, mas com a promessa do rapaz para o pai de Zoe, de que ele vai largar o circo e trabalhar em sua fábrica de comida para cães.
(Essa parte é um pouco confusa... Os personagens de Bob, tio mais novo, e do sobrinho, Owen, são muito parecidos. As elipses de tempo também não são muito bem pontuadas, então ao longo do filme é que se vai entendendo quem é quem). 

De novo há um outro pulo de tempo onde o casal, Owen e Zoe, já tem uma filha, mas ele ainda trabalha com o sogro e eles não se entendem muito bem. O rapaz é provador dos biscoitos para cachorro. Não dá para culpá-lo por não estar muito feliz.
É quando o seu tio, Horatio, por acidente põe fogo em parte do circo. Isso causa a morte de seu irmão e da cunhada.

Na cerimônia de despedida toda a família se encontra e acontece uma briga generalizada pois Horatio quer comandar o circo, mas todos os circenses querem que Owen assuma a direção. Ele se esquiva, porém recebe do palhaço Chesterfield, a caixa com biscoitos mágicos que os tios que o criaram receberam de presente de casamento, e os ajudou no sucesso do circo.
Bom daí acontece uma série de situações engraçadas de perseguição e de sabotagem na fábrica de biscoitos, com ótima utilização da linguagem da animação para gags. Apesar da pouca clareza inicial do roteiro, depois o filme ganha força e segue bem. É divertido, mais voltado para a família e crianças, com estética 3D cartoon, tão bem utilizada pela Pixar.

Loving Vincent

Direção : Dorota Kobiela, Hugh Welchman
País : Polônia, Reino Unido
Ano de produção: 2017
Duração : 01 h 34 mn 29 s
Técnica(s) utilizada(s): pintura sobre tela

Longa de animação em pintura óleo sobre tela que é encantador. Não somente pelo visual, mas também pela história. Ele parte do momento posterior a morte de Van Gogh, com as pessoas que conviveram com ele, e que ele em vida, retratou em seus quadros. Assim, é possível conhecer detalhes de sua morte, assim como conhecer também um pouco mais sobre o próprio pintor.

Tudo começa com uma carta que deve ser entregue a Theo, irmão de Vincent, que o carteiro pede a seu filho para ir entregá-la mesmo depois da morte de Van Gogh. Ele então vai à procura de Theo, mas descobre que ele também morreu. Em contato com pessoas que conviveram os últimos dias do pintor, fica com dúvidas se Van Gogh se matou mesmo, ou não.

Com um roteiro bem construído, o filme prende, criando suspense, mas não chega a dar uma resposta definitiva à dúvida sobre o suicídio. A não ser a própria certeza de Van Gogh: ele não esperava glória, mas amava pintar, acima de tudo.

Como técnica é um filme maravilhoso. A pintura a óleo, baseada nos quadros do pintor dá um show à parte no filme. É lindo ver as pincelas flamejantes, que me fizeram lembrar de outro pintor, El Greco.
Há corte entre as sequências, mas muitas passagens são feitas através da pintura o que transforma as elipses de tempo em ações visíveis.

A única ressalva que percebi foi a largura das pinceladas do fundo, das paisagens, baseadas nas obras, serem em muitos casos mais longas e espessas que as dos personagens. De acordo com a perspectiva, o que vemos menor, é porque está longe, então, o efeito contrário na imagem cria um ruído.

Ainda falando sobre o visual do filme, funcionou muito bem a escolha da estética das pinturas de Van Gogh, para retratar a realidade da história, enquanto para mostrar as lembranças dos personagens, sobre o pintor, foi usada uma pintura em tons de cinza, bem naturalista, como uma imagem fotográfica. Todo o filme teve uma base de rotoscopia, onde as ações são filmadas com atores e depois, animadas sobre o material filmado. Porém tal fato não desmerece o trabalho realizado.
De qualquer maneira é sem dúvida belíssimo filme e um grande candidato na competição.

Sessão 3 de Curtas-metragens

Aenigma


Direção : Antonios Ntoussias, Aris Fatouros
País : Grécia
Ano de produção: 2016
Duração : 10 mn 12 s
Técnica(s) utilizada(s): 3D

Animação em 3D que usa e aproveita bem os recursos da técnica criando um ambiente surrealista. Baseada nas pinturas de Theodoros Pantaleon, aborda a questão do feminino, da repressão, da luta contra o status quo, e mesmo a questão do corpo feminino, de forma metafórica. Muito boa.
Essa projeção foi em 3D estereoscópico.

Ossa

Direção : Dario Imbrogno
País : Itália
Ano de produção: 2016
Duração : 03 mn 55 s
Técnica(s) utilizada(s): Stop motion

Uma das três animações que mostra o fora de quadro, ou seja as câmeras e equipamentos do fazer, do set de uma animação Stop motion. Também aborda a repressão à mulher.
Começa com uma estrutura de boneca de stop motion caída e quebrada, mas presa pela cintura por um fio, ligado a um apoio no cenário.
A história "volta atrás" e vê-se a boneca se debatendo com vários elementos, inclusive com as câmeras e spots de luz, para sair do ambiente. Animação e roteiro inteligentes, e com a duração certa.

Min Börda

Direção : Niki Lindroth Von Bahr
País : Suéciaa
Ano de produção: 2016
Duração : 14 mn 45 s
Técnica(s) utilizada(s): Stop motion: de objetos, massinha e outras
Animação fala sobre solidão e a persistência de forma cômica e musical. Em Stop motion com bonecos antropomorfizados, ela apresenta cinco ambientes internos - um hotel (com peixes), um fast-food (com ratinhos) um call center de uma empresa de seguros (com macacos), um supermercado (um cachorro) e um quarto de hotel (com peixe). Cada grupo canta e dança como numa sucessão emocional - solidão, estímulo e persistência.
Muito bem animados, personagens e ambientes foram bem confeccionados. Se a parte do call center fosse mais curta, a animação teria mais força. Mas é um bom trabalho.

Negative Space


Direção : Max Porter, Ru Kuwahata
País : França
Ano de produção: 2017
Duração : 05 mn 30 s
Técnica(s) utilizada(s): Stop motion: com objetos e bonecos

Conta a relação entre pai e filho através da metodologia na arrumação de malas para viagem. Stop motion de curta duração, mas extremamente inteligente no objetivo do roteiro. É uma comédia.

I Want Pluto to Be a Planet Again


Direção: Vladimir Mavounia-Kouka, Marie Amachoukeli
País : França
Ano de produção: 2016
Duração : 11 min 42 s
Técnica(s) utilizada(s): 2D

Animação em P&B faz uma crítica sobre a substituição de partes humanas por robóticas.
Para reconquistar a jovem amada - meio robô (com formas geométricas) depois de um acidente – um rapaz consegue ser o premiado para uma cirurgia do mesmo gênero para "se atualizar". Apesar da boa proposta, não conquista.

Tühi Ruum



Direção : Ülo Pikkov
País : Estônia
Ano de produção: 2016
Duração : 10 mn 45 s
Técnica(s) utilizada(s): Stop motion com bonecos

A animação começa com um grande plano de uma grande mesa com móveis em miniatura (como uma casa de bonecas), e as câmeras e luzes usadas na animação. Fixando em um dos armários, vê-se as portas se abrirem e sair de lá uma boneca, uma menina de seus 9 anos. Ela anda pelo cenário e mexe nas coisas de forma curiosa, como que conhecendo ou relembrando. Até que acontece uma grande explosão.

Animação bem-feita, intimista, criativa e forte - como a maioria do Leste Europeu. Sem falas, ela vai envolvendo pois há muitos detalhes em cena. E espera-se saber quem é aquela menina. Baseado em uma história real, o que dá mais foça à animação.

Casino



Direção : Steven Woloshen
País : Canada
Ano de produção: 2016
Duração : 03 mn 58 s
Técnica(s) utilizada(s): Desenho sobre película

Animação alegre, colorida de pintura diretamente sobre a película. É impossível não lembrar de Norman McLaren! E isso sem qualquer conotação pejorativa para o autor. Super bem sincronizado, com um jazz muito bom (!), essa animação não narrativa tem um o ritmo e a duração no ponto certo.

After All

Direção : Michael Cusack
País : Australie
Ano de produção: 2016
Duração : 13 mn 16 s
Técnica(s) utilizada(s): Stop motion com bonecos

Outra animação que começa mostrando o set de animação.
Mostra um personagem masculino de meia idade guardando as coisas da casa em caixas. Conforme ele pega nos objetos, lembra de sua mãe, e entende-se que ela já morreu. A realidade das feições dos personagens (bem naturalista), suas expressões, a dureza do tema, e os detalhes do cenário, criam uma atmosfera no filme, que “pega” o público. As passagens para as cenas das lembranças, muitas vezes acontecem com o movimento de câmera, que já enquadra a mãe fazendo seus comentários diretos, perspicazes e até mesmo frios, sobre a sua própria condição de doente. O que também cria momentos cômicos. Um ótimo roteiro.

Strange Fish

Direção : Steven Subotnick
País : EUA
Ano de produção: 2017
Duração : 03 mn 42 s
Técnica(s) utilizada(s): Desenho sobre papel, 2D
Esta animação não narrativa, começa com rabisco em lápis que se movem. Até começarem a se formar imagens, entre elas um peixe. Ao final, a tela aparece com vários espaços como um tabuleiro de xadrez, ocupados por rabiscos, peixe e outras formas. Sonoramente é possível identificar sons de água corrente, de rádio e de ruído diversos. No início, lembra o Free Radicals (1959), de Len Lye, mas talvez, exatamente por isso, pessoalmente, ela não me atraiu, e a trilha sonora não ajudou na conquista – ao contrário do trabalho de Len Lye.

Resumo das exibições:
Foi uma das melhores sessões que assisti. Mostra a diversidade de propostas e execução de técnicas, e como “velhas” formas podem ser revisadas. Não foi uma sessão “leve”, repleta de comédias, mas é também um reflexo do momento em que se vive.

Porém, enquanto obras de animação, no geral foram de alto nível técnico, artístico e de roteiro.