24 de junho de 2017

Diário Animado - Annecy 2017 - Dia V

Antes de falar mais sobre os filmes no meu quinto dia de diário animado, vou dar minha impressão sobre a cidade de Annecy.

É uma cidade no meio da França, situada no lado leste do país. É bem mais perto de Genebra que de Paris! Sua bandeira, inclusive parece a bandeira da Suíça, sendo que os braços da cruz branca de Annecy, dividem a bandeira em quatro quadrados vermelhos.

No verão, como agora, é bem quente: mais de 30 graus. E no inverno é frio. É aos pés das cadeias de montanhas onde fica o Mont Blanc – aquele “das canetas”.


Tem um lago lindo, de águas literalmente cristalinas, quase inacreditável! Dá vontade de voltar em outro momento só para curtir a cidade - pois isso eu não fiz, na correria de assistir às sessões.




Bem, vamos a elas!


Foram duas sessões de curtas e uma de longa-metragem.

Sessão Curtas Off-Limits
É uma sessão “
reservada aos curtas-metragens com foco na exploração, na inovação
e na experimentação”. Quase todos são não-narrativos, então vou me ater a uma pequena descrição e impressão sensorial do que vi.

Cinéma Emek, Cinéma Labour, Cinéma Travail - Cinema Emek, Cinema Lavoura, Cinema Trabalho

Direção : Özlem Sulak
País: France, Turquia
Ano de produção: 2016
Duração : 05 mn 15 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D, 3D

É uma animação que mostra como era o grande cinema Emek, em Istambul, que foi demolido em 2010. Ele começa com o teto da sala principal do cinema sendo desenhado por linhas que correm e montam todos os detalhes arquitetônicos do local. Era um ambiente grande e bonito. Como animação, pela própria proposta descritiva, acaba sendo um pouco cansativo.

Fuddy Duddy – Careta, antiquado

Direção : Siegfried A. FRUHAUF
País: Austria
Ano de produção: 2016
Duração : 05 mn 30 s
Técnica(s) utilizada(s) : Outras

O curta tem uma proposta filosófica: a luta entre o caos e a ordem. Visualmente vê-se – sendo bem simplista – várias imagens com quadrados brancos e pretos, de vários tamanhos, que se sobrepõem uns aos outros. Essa variação acontece em sincronia com a música, em frequências diferentes. Na mais intensa, têm-se a impressão de que se está olhando uma luz estroboscópica. Achei um pouco longo.

Johnno's Dead – A morte de Johnno

Direção : Chris SHEPHERD
País: França, Reino Unido
Ano de produção: 2016
Duração : 08 mn 26 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D, Pixilation, Rotoscopia, Outras
Trabalhando com uma mistura de técnicas, o curta mostra a agonia e o sentimento de injustiça e vingança de um homem condenado por um crime que não cometeu. Através de imagens em live-action trabalhadas com várias interferências, a narração vai contando os pensamentos do personagem. O filme reflete a agonia da situação.

Overlook - Ignorar

Direção : Pink Twins
País: Finlândia
Ano de produção: 2017
Duração : 05 mn 42 s
Técnica(s) utilizada(s) : 3D
Esta animação se inicia com uma cena parada, de uma nobre sala em estilo clássico, como se fosse feita de acrílico – é modelada em 3D. E começa a escorrer tinta vermelha pelas paredes, que cobre tudo. E isso ocorre algumas vezes. Também tem uma proposta filosófica. Mostrar uma ruptura espaço-tempo, e um certo horror. Particularmente, achei longo para a proposta.

Le Sentier – O Caminho

Direção : Hadrien dit Bhopal Bertuit
País: França
Ano de produção: 2016
Duração : 06 mn 35 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel
Através de diversas fotografias, é contada a história de alguém, seguida de uma narração. As fotos são centrada na tela. Estas então são pintadas de forma a tomar toda a tela com uma imagem completa. Proposta interessante, visualmente agradável, é praticamente documental.

Dix puissance moins quarante-trois secondes – Dez forças menos quarenta e três segundos

Direção : F Francis
País: França
Ano de produção: 2016
Duração : 13 mn 57 s
Técnica(s) utilizada(s) : Ordinateur 3D, Pixilation
Este curta-metragem trabalha a partir de imagem filmada slow-motion, e 3D – o homem e o universo – com trilha sonora própria, como se fosse um som aberto, durante todo o curta. A narração vai refletindo sobre a questão do tempo da vida, do instante, da finitude.
Foi a animação que ganhou o prêmio da categoria.

1960 :: Movie :: Still

Direção : Stuart POUND
País: Reino Unido
Ano de produção: 2016
Duração : 02 mn 11 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D
A animação é criada a partir de imagens do filme "L'Avventura" (1960), de Michelangelo Antonioni, especificamente, com as imagens de Monica Vitti. Dividindo a tela em 10 partes, as cenas do filme se passam de forma sequencial. O que dá um resultado e um movimento geral bem bonito e interessante. Lembram o flipbook e o efeito de caleidoscópio.

A Photo of Me – Uma foto de mim

Direção : Dennis Tupicoff
País: Australia
Ano de produção: 2017
Duração : 10 mn 48 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D, Photos, Rotoscopia, Live-action
É um curta introspectivo, em preto e branco, de um homem que reflete sobre sua vida, desde a infância através de suas fotografias. A narração vai ancorando e dando sentido às imagens. Um pouco longo para o tipo de proposta.

La Bêtise – A Estupidez

Direção : Thomas Corriveau
País: Canada
Ano de produção: 2016
Duração : 06 mn 45 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel, Rotoscopia
Outra animação em preto e branco, que aborda a questão da guerra e da violência. Inspirada nas gravuras Os Desastres da Guerra (1810-1815), de Francisco de Goya, mostra dois personagens que se agridem, numa violência hipnótica.

Orogenesis

Direção : Boris Labbé
País: França
Ano de produção: 2016
Duração : 07 mn 45 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D, Ordinateur 3D, Photos
A animação mostra em 3D a possibilidade de movimentação do plano terrestre, com a criação e alteração de montanhas. É bem atrativo, com trilha sonora coerente com as ações, mas um pouco longo demais, o que “quebra” a intensidade das imagens.

Hand Colored no.2 – Pintado à mão n.2

Direção : Lei Lei, Thomas Sauvin
País: China
Ano de produção: 2016
Duração : 04 mn 52 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel, 2D
Os artistas criaram essa animação a partir de 1168 fotografias em preto e branco achadas em mercados de pulgas chineses. Através das pinturas dessas fotos, eles se perguntam sobre a vida dessas pessoas. Proposta envolvente e visualmente alegre.

Sessão de Curtas 4

Splendida Moarte Accident – Esplendida morte acidental

Direção : Sergiu Negulici
País: Romênia
Ano de produção: 2016
Duração : 15 mn 05 s
Técnica(s) utilizada(s) : Stop motion com objetos, Desenho sobre papel, 2D, 3D
Em uma loja de antiguidades, um homem encontra uma carta de amor de 70 anos, atrás de um desenho. Ele começa a procurar o autor e “viaja” por momentos importantes da história do século XX. Muito bonita, atrativa. Pelas metáforas que cria e pelo ambiente. A passagem de tempo acontece dentro de um trem. Como se o personagem andasse dentro deste, passando pelos vagões e pelo tempo. Os personagens são como bonecos feitos de papel. Vale à pena assistir.

Kosmos

Direção : Daria Kopiec
País: Polônia
Ano de produção: 2016
Duração : 02 mn 35 s
Técnica(s) utilizada(s) : Massinha
Fazendo uso de bonecos, a animação aborda a questão da atratividade dos corpos. Mas não em “envolveu”.

Airport - Aeroporto

Direção : Michaela Müller
País: Croácia, Suiça
Ano de produção: 2017
Duração : 10 mn 34 s
Técnica(s) utilizada(s) : Peinture sur verre
Através da pintura sobre vidro, de forma que a direção das largas pinceladas vão formando as imagens, a animação vai mostrando diversas situações que acontecem em um aeroporto. Imagem inteligente, pois até pela situação, sempre há uma correria, a utilização das pinceladas reforça a ligeireza das ações. Mas achei que se fosse mais curta, como narrativa, seria melhor.

L'Ogre – O Ogro

Direção : Laurène Braibant
País: França
Ano de produção: 2017
Duração : 09 mn 41 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D
Através do desenho caricato, o curta conta a história de um homem muito grande (ele é um ogro) que em um restaurante, não para de comer. Assim, ele assusta as pessoas, mostrando seu verdadeiro eu. Lembra o filme O Sentido da Vida (1983), de Monty Python. O visual é sinuoso, com linhas finas e colorido aquarelado. Personagens e cenário se movem de acordo com a cena, e isso cria um efeito atraente às imagens do filme.

Kutxa beltza – Caixa Preta

Direção : Izibene Oñederra, Isabel Herguera
País: Espanha
Ano de produção: 2016
Duração : 07 mn 10 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel, 2D, Outras
Animação surreal, do tipo que te deixa com uma interrogação. Começa com um desenho de traços finos, colorido à caneta e aquarela, com predominâncias de brancos de verdes. A cena de uma van que chega a um condomínio de prédios, e o entregador vai fazer uma entrega. Mas em um dos apartamentos, há uma senhora com seu gato preto. O visual é totalmente diferente: traços grossos, displicentes, azuis, vermelhos, com predominância de preto. Surgem diversas cenas de guerra, elementos africanos, cemitério... Ao final, o entregador leva uma caixa... mas não vou contar o resto.

Valley of White Birds – O Vale do Pássaro Branco

Direção : Cloud Yang
País: China
Ano de produção: 2017
Duração : 14 mn 16 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel, 2D
Desenho muito bonito, colorido, e bem oriental. Metafórico, o curta conta a história de tipo de rito de passagem. A relação homem-natureza através de belas imagens. Muito bem animado, poderia ser mais curto, isso daria mais força à história.

Dead Reckoning – Navegação Estimada

Direção : Paul WENNINGER, Susan YOUNG
País: Austria
Ano de produção: 2017
Duração : 02 mn 47 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D, Pixilation

A animação fala também da finitude da vida, através de imagens da vida cotidiana e da vida de uma cidade. Com imagens em Pixilation de Viena, o filme mostra com interferências em desenho, a morte sempre presente. É curto, e por isso perfeito na proposta.

Kötü Kiz – Menina Malcriada

Direção : Ayce Kartal
País: França, Turquia
Ano de produção: 2017
Duração : 07 mn 59 s
Técnica(s) utilizada(s) : Desenho sobre papel

Animação forte. Baseado em uma história real, mostra uma menina que conta em narrativa seus pensamentos e momentos de vida, enquanto as imagens oscilam entre suas lembranças boas e ruins. Com desenhos correspondentes, “fofos”, infantis, coloridos e grotescos, fortes, medonhos. Fica claro o ataque a menina, mas de forma indireta, pela conclusão do público. Muito boa.

Contact

Direção : Alessandro Novelli
País: Espanha
Ano de produção: 2017
Duração : 07 mn 53 s
Técnica(s) utilizada(s) : 2D


E outro filme filosófico. Através de uma viagem interior, uma mulher se questiona sobre a vida e o sentido das coisas. Com imagem em traços em branco e fundo preto, várias situações metafóricas e surreais vão se sucedendo com a narrativa dos pensamentos da personagem, onde ela mesma perpassa por esses ambientes. O texto é muito bom, mas como animação, é o mesmo caso: poderia ser um pouco menos longa.

Sessão de longas-metragens 2

Tehran Taboo – Tabu de Teerã

Direção : Ali Soozandeh
País: Alemanha
Ano de produção: 2017
Duração : 01 h 36 mn
Técnica(s) utilizada(s) : Rotoscopia
O filme conta várias histórias pessoais dentro de um bom roteiro, sem final feliz. É um bom filme, participou do Festival de Cannes, e é claramente uma crítica à sociedade iraniana. Mostra a dura vida das mulheres – apesar de lá, elas poderem estudar – que precisam de uma aprovação por escrito do marido (ou pai) para tudo, inclusive trabalhar fora. Fala sobre as drogas, o sexo, a corrupção, a falta de esperança, etc. Por essa razão, o título: coisas que não se falam, coisas proibidas. É uma produção alemã de diretor iraniano.
Quanto ao visual, é de linhas retas grossas e com contrastes de cor e de claro-escuro. Não há como não se lembrar de Valsa com Bashir (2008), outro drama sobre o Oriente Médio. Porém, há vários momentos do filme em que a “rotoscopia” não parece rotoscopia, mas efeito de filtro de algum software. Isso “me tirou” do filme. É imagem real. E quando aparece o gato preto (que vive nos arredores do prédio onde se passa boa parte da história), há uma “briga”, pois o gato foi animado, não muito bem, em 3D.
Em termos de “ortodoxia” sobre o uso da animação para se contar certas histórias, realmente não há nada que “justifique” o uso da rotoscopia ou qualquer outra técnica animada, ao invés de live-action. Porém o diretor defende a utilização da rotoscopia pois, queria falar de uma realidade do país, mas não tinha como filmar lá, então foi uma boa forma de representar a história, o mais fiel possível à imagem real.


Resumo da ópera:
Mais um dia de filmes que refletem a falta de esperança que impera nos nossos dias.  Em termos de criatividade, não vi nada “maravilhoso”, mas uma tendência a se misturar técnicas. O digital, apesar da aura tecnicista em termos de “máquina”, de visual e técnico, matemático, também carrega “um bocado” de inventividade. A experimentação dessas novas formas de “fazer”, mescladas à forma tradicional, estão em alta.